Eles têm recorrido às redes sociais para "passar o chapéu"
Maria Roberta Dias Mendonça Bittencourt
Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br
Em: 27.06.2020
Em função da crise sanitária provocada pela covid-19,
eventos culturais de grande porte, que acabam movimentando a economia dos
locais onde são realizados, foram adiados, alguns sem anunciar nova data. A
organização do Festival de Cinema de Gramado, um dos principais do
país, resolveu manter quase inalterada a programação, somente transferindo o
evento de agosto para setembro. Mais cautelosa, a 26ª
Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que recebe, em média, 600 mil
visitantes a cada edição, ficou para 2022.
Artista conscientizando o uso de máscara
Imagem: imagens3.ne10.uol.com.br
Ao mesmo tempo em que os espaços culturais precisam
adotar o fechamento como medida de combate à covid-19 e eventos são adiados
pelo mesmo motivo, artistas têm tido dificuldade de encontrar uma fonte de
renda. Por essa razão, estão recorrendo às redes sociais para passar o chapéu
(como se denomina, no meio artístico, a prática de recolher
contribuições voluntárias após uma apresentação).
Em um clique, encontram-se diversas postagens
de artistas que, individual ou coletivamente, pedem doações ou realizam lives (transmissões
online, ao vivo) para arrecadar recursos. O perfil é bastante heterogêneo. São
artistas iniciantes e outros mais consolidados, como os do Teatro
Oficina Uzyna Uzona, companhia que completa 62 anos de existência, este
ano, e foi fundada por José Celso Martinez Corrêa, mais conhecido
como Zé Celso, um dos ícones da tropicália.
Para amparar os trabalhadores do setor, o Senado
Federal aprovou, em 4 de junho, o projeto de Lei Aldir Blanc (PL
nº 1075), que prevê a
concessão de benefício no valor de R$ 600, além de possibilitar a distribuição
de quantias para garantir a manutenção de empresas e espaços culturais.
Segundo o texto, a quantia que será repassada da União, por meio
do Fundo Nacional de Cultura, para estados, Distrito Federal e
municípios totaliza R$ 3 bilhões. A proposta, apresentada pela deputada
federal Benedita da Silva (PT-RJ), segue agora para sanção do
presidente Jair Bolsonaro.
Circo sofre com a pandemia
Imagem: midias.agazeta.com.br
Obstáculos
Como outros colegas de profissão, a artista e
brincante Bruna Luiza tem passado por momentos difíceis
durante a pandemia já que não há trabalhos a serem feitos.
Professora de circo, ela conta que nunca conseguiu manter uma reserva
financeira e que costumava complementar a renda com aulas de reforço escolar.
Sem dinheiro guardado, ela e seu companheiro
decidiram deixar Brasília para ir morar em uma vila de Alexânia,
interior de Goiás, onde o custo de vida é menor. Com duas crianças em casa, uma
de 6 anos de idade e outra de 7, o casal está vivendo com o auxílio emergencial
concedido pelo governo federal.
"Quando começou a pandemia, nossa renda vinha
das aulas de circo e tínhamos vários trabalhos fechados [já acordados]. Todas
essas fontes de renda se foram. Atualmente, a gente está vivendo do auxílio
emergencial. A gente está se inscrevendo em todos os editais que têm, mas são perspectivas
futuras, porque nenhum edital foi para agora”, afirma.
“Meu companheiro tem feito algumas lives e rodado o
chapéu, mas não é nada que gere muito dinheiro, é um valor pequeno, com que dá
para fazer a feira, o mínimo. Eu ainda estou precisando me adaptar a essa nova
realidade para buscar uma forma de trabalho", completa.
Sobre os editais de fomento à cultura, ela critica
a lógica de rivalidade que esse modelo de financiamento promove, defendendo que
o processo seja revisado, tendo em vista que a crise atingiu parte
significativa da classe artística.
"Eles lançam edital, no meio dessa pandemia,
em que colocam em competição os artistas, que já estão em um estado de
vulnerabilidade muito grande", lamenta.
Pandemia gera desempregos no circo Imagem: uploads.bemparana.com.br |
Bruna comenta que muitos artistas têm disponibilizado
aulas e apresentações gratuitas, o que encara como positivo para o
público e, ao mesmo tempo, como obstáculo para os artistas que poderiam
conseguir remuneração ensinando o que sabem e garantir parte do sustento
durante a pandemia.
"Tem muito conteúdo sendo fornecido de graça.
O que você quiser saber sobre circo, flexibilidade, força,
acrobacia, tem muito material sendo disponibilizado. Vejo que tem dois lados
interessantes. Um é que fica acessível para muita gente. Mas também fica
difícil de trabalhar, porque tem muita coisa de graça. E tem muita gente
apertada [financeiramente]."
Museus
Em meados de maio, a Organização das
Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) emitiu informe
em que estimava que 13% dos museus de todo o mundo poderiam encerrar, em
definitivo, suas atividades, em decorrência das consequências da pandemia de
covid-19. Já naquele período, mais de 85 mil instituições, que representam 90%
do total (95 mil), haviam suspendido visitações, a fim de evitar contaminações
pelo novo corona vírus, e parte delas buscava se adaptar para manter exposições
online.
No comunicado, a Unesco destacou que apenas 5% dos
museus localizados em países da África e países insulares em desenvolvimento
estavam conseguindo manter atividades em ambiente virtual. Como essa situação,
existem também outras que indicam que o segmento de cultura está sob ameaça,
não apenas sob o ponto de vista de circulação do conhecimento e preservação do
patrimônio cultural, mas de sustento dos profissionais do ramo.
De acordo com a Unesco, a falta de receita dos
museus afeta também os funcionários dessas instituições e os artistas, muito
deles autônomos ou trabalhando com "contratos precários".
Museus sofrem com a pandemia
Imagem: luporai.com.br
Criatividade em números
De acordo com o Mapa Tributário da Economia
Criativa, elaborado pelo extinto Ministério da Cultura, em parceria
com a Agência Brasileira de Cooperação e a Unesco, a classe
criativa correspondia a 1,8% dos trabalhadores formais
brasileiros, em 2015. Em 2013, a proporção era de 1,7%. Atualmente, a
economia criativa responde por 2% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. O
documento foi divulgado em dezembro de 2018.
Obra nas ruas durante a pandemia
Imagem: s2.glbimg.com
Publicado em janeiro de 2019, um relatório
da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad)
aponta que as exportações de bens criativos do Brasil, em que se
sobressaem bens de design, como moda, design de interiores e joias, somaram US$
923,4 milhões em 2014. Naquele ano, somente as novas mídias produzidas no país,
que incluem filmes, movimentaram US$ 102 milhões. Artes visuais, por sua vez,
geraram US$ 92 milhões e artes e artesanato, US$ 73 milhões.
Artistas de rua sofrem com a pandemia
Imagem: www.agenciabrasilia.df.gov.br
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